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Como melhorar o mundo?

Não me entenda mal, por favor. Não sou ninguém para responder com qualquer propriedade  o título posto  acima. Venho aqui compartilhar devaneios do que temos falado sobre isso, e talvez do que nos falta falar. Essa resposta só pode ser construída coletivamente, mas isso é assunto para o final do texto.

A maioria de nós enxerga que o mundo não está bem do jeito que está. Alguns enfatizarão o meio ambiente depredado, outros apontarão sistemas de opressão, outros não admitirão a fome, e muitos vão dizer que nada disso está bom, apontando uma longa lista de tópicos do que deve ser mudado.

Apesar das pautas em comum, os posicionamentos do que pode ser feito a respeito desse caos é o que costuma variar bastante. Essas são algumas opções:

CONFORMIDADE – Muitos se perguntam como mudar esse mundo tão vasto, que antecede nossa existência e se mostra como uma espécie de “monstro”, como se fosse algo dado. Sentem  que nós, humildes seres mortais, não teríamos a mínima possibilidade de lidar com isso tudo. “Se não pode com eles, junta-se a eles”, diriam eles, “afinal, não há nada que possa ser feito”. 

CONTENTAMENTO – Outros diriam que a única coisa que nos cabe é mudar o próprio mundo: melhorar as próprias relações, a forma como encaramos as circunstâncias que passamos, cuidar dos próprios afetos e ser alguém melhor para quem nos rodeia. “Se todos pensarem assim, o mundo será melhor”, diriam eles.

TRANSGRESSÃO – Outros diriam que as coisas não estão bem, e que devem ser combatidas por meio de lutas. A transgressão e a rebeldia até podem operar de um ponto de vista individual: seja dizendo não pra um chefe abusivo, seja negando o desejo de uma mãe tóxica, seja respondendo algo diferente do que o professor esperava. Esses comportamentos podem  trazer vários resultados, ora incríveis, ora nem tanto: fazer o que realmente lhe cabe no emprego ou ser demitido; ter o próprio limite respeitando ou romper um vínculo importante; gerar uma nova síntese a partir da colocação de contradições ou ganhar uma nota baixa.

Penso que ninguém está certo e nem errado. Diria ainda que todos estão parcialmente certos e parcialmente errados. Certos porque apresentam partes da verdade, errados porque compreendem essas partes como totalidades. Eu explico:

Acredito que a conformidade seja uma faca de dois gumes: Ela pode ser adaptativa de uma forma que nos emoldure às necessidades do mundo e aniquile nosso desejo e nossa identidade. 

O contentamento pode ser uma adaptação que nos cause efeitos mais positivos, de um jeito que a gente acabe se sentindo mais confortável com a vida, resgatando a potência intrínseca que temos para lidar com frustrações e protagonizar o que podemos, mas ainda assim nos resignamos de alguma maneira com o funcionamento do mundo.

A transgressão individual atua na criação do próprio protagonismo, mas carece da responsabilização pelas consequências dela, que nem sempre são positivas. 

Mesclar a transgressão com a adaptação positiva  seria ótimo , na medida que isso atua em prol de nossa saúde mental, sem abrir mão do protagonismo individual.

O melhor dos mundos não, é mesmo?

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Eu poderia parar esse texto por aqui. Na verdade, acho que é onde a maioria de nós paramos. Diria ainda, que uma boa parte dos profissionais da saúde mental parariam por aqui, afinal, o trabalho está feito, não é mesmo?

Bom, na minha opinião o trabalho está  parcialmente feito, e vou explicar os motivos dessa minha percepção:

Se todos nós nos conformamos com  a vida tal como é, seremos um bando de gente adaptada ao funcionamento social do mundo. Isso quer dizer que  poderemos de fato levar a vida de um jeito mais leve (individualmente), mas ainda estaríamos reproduzindo as mesmas questões enunciadas no início do texto: seja uma exploração devastadora do meio ambiente (fadada ao término se o processo continuar da mesma forma), com os mesmos sistemas de opressão, sejam eles  de classe, raça, gênero, orientação sexual, deficiências, entre outros; seja a continuidade da miséria do mundo, ainda que em algum momento respaldada por caridade ou políticas compensatórias. Isso quer dizer que não mudaríamos estruturalmente o mundo, seríamos coniventes com as injustiças.

É claro que pensar em transformar estruturas sociais gera, do ponto de vista individual, um possível sentimento de impotência. Afinal, ninguém muda estruturas sozinho. 

Talvez tentando negar o sentimento de paralisação, talvez fugindo da nossa impossibilidade, talvez reproduzindo aspectos ideológicos enraizados muito cedo em nossas mentes, talvez buscando o suspiro de potência que ainda temos, nós temos recorrido quase que somente à nossa possibilidade individual.

Seguimos os discursos de autoajuda, coaching, empreendedorismo e autossuficiência; discursos esses que nos contam que podemos fazer tudo se desejarmos e nos esforçamos o suficiente. A verdade por trás desse discurso é que alguns de nós alcançará esse sucesso idealizado, e muitos de nós não. Mas isso dependerá muito menos do mérito individual de cada um, na medida que a estrutura da nossa sociedade não permite que todos “vençam”.

Ainda assim, costumamos nos sentir envergonhados ou culpados ao fracassar, já que partimos do pressuposto de que sucesso e fracasso dependem exclusivamente de cada um. Perceber que isso não é verdade nos leva a um convite único: buscar mudanças substanciais coletivamente!

Estamos acostumados a pensar que isso não seria possível, mas isso não precisa ser uma verdade. O engajamento em causas comuns é o que nos leva à subversão daquilo que está instituído.

 Alguns alegariam que esse ponto de vista não leva à felicidade plena, mas me questiono o que seria isso. A felicidade nos tempo de hoje, para além de ser desejada, passou a ser comprada como substancial para vivência individual (o artigo anterior trata sobre isso), mas para além do nosso próprio prazer, porque não pensamos em deixar um “legado” de um mundo melhor, no curto tempo que temos em vida?

Se limitar ao ideário de que isso é impossível equivale  a auto restrição. Pensar dessa forma impede que a gente  se transforme e resista. Saúde mental individual é sim importante, é sim necessário. Sem ela nos paralisamos e não fazemos nada para mudar a nossa vida, ou dos outros a nossa volta, mas te pergunto, qual é o tipo de saúde mental que você está buscando?

Vale terminar esse texto retomando as sábias palavras de uma bela música:  “pois paz sem voz, não é paz é medo”.

Cristina Gonçalves de Abrantes

Psicóloga CRP 06/135259 

 

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