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A felicidade que nos é cobrada

Você já reparou que somos cobrados para sermos felizes quase o tempo todo? Parece que sempre nos são oferecidas ferramentas para alcançarmos este estado emocional. Por esse motivo, não parece surpreendente nos culparmos quando não estamos bem.

Repare que as propagandas que nos atingem na internet, televisão ou rádio quase nunca vendem o produto em si, mas a ideia de felicidade. A clássica propaganda de margarina vende uma família feliz, e não a margarina em si. Uma propaganda de carro tende a transmitir a ideia de liberdade, e não o carro em si. Isso vai configurando nossa subjetividade para buscarmos esses ideários que estão implícitos em nosso cotidiano. Isso hoje, no entanto, não acontece só pelas grandes empresas.

Entrar nas redes sociais, nem que seja por 5 minutos, já dá essa sensação de que todos são felizes, não é mesmo? Parece que, em alguma medida, todos apresentam somente momentos de alegria. Essas cenas quase sempre realmente fazem parte da vida dos internautas, mas não contemplam a realidade total dessas pessoas. Isso quer dizer que todos sentem um leque bem maior de emoções do que aquelas ali mostradas, sejam elas tristeza, raiva, tédio, cansaço, angústia, ansiedade ou outras.

Além disso, é esperado que a gente apresente quase sempre uma postura empolgada, leve e cordial. Isso acontece nos ambientes de trabalho, com muitos grupos de amigos, familiares, na comunidade, e em vários outros grupos que fazem parte do nosso cotidiano. Em dias de mau humor, ou que simplesmente acordamos “ranzinzas” parece haver uma necessidade de disfarçar esse humor , para continuarmos “vendendo” que somos pessoas felizes. Nessa situação, acabamos lutando por uma contínua sensação de pertença para que  a gente não seja rejeitado nesses mesmos grupos sociais. Essa dinâmica, ainda que sem querer, acaba sendo desrespeitosa com nós mesmos, por não nos permitirmos entrar em contato com nossa dor. Bom, talvez não seja tão legal ser mal educado com alguém porque não está bem, mas talvez não seja necessário mostrar uma falsa vitalidade e alegria.

Costumamos mascarar a nossa dor porque quando a gente só vê alegria, acabamos tendo a impressão de que todos são felizes o tempo todo. Aí quando você se depara com seus sentimentos mais difíceis, dá a sensação de que há algo errado com você, mas isso não é verdade.

Podemos dizer que existem tantos sentimentos quanto cores na terra. Essa metáfora nos ajuda a compreender que apesar de haver um nome para um sentimento (por exemplo tristeza), há uma variedade de “tonalidades” dessa mesma emoção, como melancolia, estado depressivo, esvaziamento, desgosto, amargura, entre outras.  Esses sentimentos necessariamente nos visitarão simplesmente por compartilharmos a condição humana, ou seja, sentiremos essa pluralidade de emoções ao longo da vida, mas cada um à sua maneira e em seu contexto social e histórico.

Quando damos destaque para um grupo de emoções (geralmente positivas) em detrimento de outro grupo de emoções (que tendemos a classificar como negativas), acabamos por esconder de nós mesmos (indivíduo e sociedade) uma parte muito importante da nossa vivência.

Por mais que seja desconfortável passar por sentimentos negativos, geralmente são eles, se alocados em uma dinâmica psíquica saudável,  que nos impulsionam para transformação e compõem aprendizagens. Em um exemplo simplista, se alguém está em uma semana melancólica por uma briga que teve com alguém, é possível que essa pessoa busque reconciliação com o adversário, ou busque outras formas de se relacionar com os outros (mais harmoniosas, por exemplo).

Podemos compreender, no entanto, que os sentimentos negativos podem começar a nos preocupar quando ficamos paralisados nele mesmo e não criamos outras formas de movimento. Nesse mesmo exemplo, se a pessoa não cuida dessa melancolia e se paralisa nela, é possível que um estado mais depressivo vá chegando e se “aconchegando”, de forma que a pessoa vai se identificando unicamente com essa forma de ser no mundo.  Quando se passam muitos dias ou meses com sentimentos ruins predominantes, isso pode ser um sinal de alerta para que se procure ajuda profissional. 

É importante lembrar que as emoções algumas vezes nos visitam sem estar tão diretamente relacionadas aos eventos que vivemos. Alguns dias, sem saber  o porquê, estamos mais alegres, outros com estado de paz maior, em outros dias estamos exaustos e chateados, outros nervosos. Essas tonalidades compõem as cores da vida, e não são por si só somente boas ou ruins, mas vale investigar qual vai sendo a finalidade da predominância daquele sentimento em uma fase da sua vida.  Isso quer dizer que se você passa muito tempo com uma sensação de angústia, por exemplo, vale questionar a presença daquele sentimento, o porquê dele estar  se manifestando intensamente e o que esse sentimento quer comunicar para você.

Desejo ressaltar aqui, que é lógico que a felicidade é muito bem vinda em nossa vida, e sabemos que é um estado muito gostoso de viver, mas ela não é única. Abrir espaço para os sentimentos negativos também é importante na vida humana, se buscando compreender o que esses sentimentos estão fazendo lá, e como eles contribuem para sua experiência de vida. Sentir culpa por não estar feliz é mais uma forma de autocobrança, afinal somos todas emoções, ou melhor, estamos, pois nada é fixo, nem permanente!

Cristina Gonçalves de Abrantes

Psicóloga CRP 06/135259 

 

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