Você já se pegou imaginando todas as possibilidades de acontecimento sobre determinado contexto? É daqueles que planeja cada etapa de sua vida? Tem plano A, B, C, até Z? Não esquece nada na mala de viagem? Estuda tudo que pode cair na prova e ainda acha pouco? Se a maioria das respostas para essas perguntas foi “sim”, é possível que a necessidade de controlar faça parte da sua vida de uma maneira intensa.
O controle está relacionado com o domínio, ou seja, é o ato de controlar, manipular e transformar fatores externos ou internos de acordo com o próprio desejo.
O controle por si tem um lado bastante positivo. Em alguma medida, quem cuida de todos os detalhes, tem baixa probabilidade de “passar perrengue”. Além disso, esse jeito de viver costuma gerar uma sensação de segurança e estabilidade.
É importante pensar, no entanto, sobre a intensidade dessa necessidade de controle. Se planejar e atuar sobre o plano são ações essenciais para se alcançar objetivos, mas quando isso acontece em excesso, o jogo parece virar.
O excesso de controle pode acabar gerando uma disciplina tamanha que a pessoa, por estar tão centrada nas tarefas, acaba “esquecendo” de viver seu lado lúdico. A vida passa a se tornar cada vez mais pesada e repleta de atividades. É muito comum que o sentimento de solidão apareça por mais que haja pessoas próximas. Isso acontece porque a vida fica quase reduzida à execução de tarefas, de forma que o encontro humano se torna cada vez mais raro.
Na super produção e controle nos tornamos quase “robôs”, de forma que a espontaneidade da vida vai ficando sufocada. Vive-se uma falsa sensação de estabilidade, porque as circunstâncias necessariamente mudam a depender do nosso desejo. Isso não quer dizer que não existe escolha ou responsabilidade individual, mas que isso não é tudo. Existem circunstâncias maiores que acabam nos atravessando, sejam elas ambientais, políticas ou institucionais. Faz parte da vida em sociedade usar as forças coletivas para transformação desses mesmos cenários, ainda que não controlemos o mundo conforme nosso desejo.
Além disso, desejar estar no controle de tudo o tempo todo, acaba por ser uma tentativa frustrada de onipotência. A onipotência se refere à capacidade de fazer tudo o tempo todo, sem qualquer limite. Ela gera uma altíssima necessidade de controle, e impede a livre atuação dos outros ao seu redor. Com ela, acaba se manipulando as situações de acordo com suas próprias necessidades, havendo em muitos casos, abuso de poder. Mas é a partir dessa mesma onipotência que se sente fortemente a frustração, uma vez que os próprios objetivos nem sempre são alcançados Por se compreender que absolutamente tudo está nas próprias mãos, se carrega muita culpa quando alguma expectativa não é atingida.
Existe, por outro lado, o outro extremo dessa linha, quando a pessoa abre mão completamente do seu controle, deixando a vida levar, de forma que perde completamente seu protagonismo. Essa impotência é o outro extremo voltado à completa incapacidade de controlar fatores externos e internos. Quem controla é um piloto automático, uma crença absoluta em destino, ou no universo. Uma pessoa com padrão comportamental baseado na impotência costuma deixar toda sua vida ao acaso, atribuindo as coisas que lhe acontecem ao infortúnio, se vendo sem qualquer possibilidade de atuação, colocando-se no lugar de passividade.
Bem, e o que podemos compreender sobre isso tudo? Que esses extremos nos levam ao sofrimento. A arte de viver implica em caminhar entre os polos de impotência e onipotência, evitando se identificar e se misturar com eles.
Nessa caminhada, realmente devemos buscar alcançar nossos desejos à medida em que podemos alcançá-los, compreendendo sempre que podemos chegar aonde desejávamos, ou não.
Vou dar um exemplo: Você deseja muito passar em um concurso público. Sabe que para isso você precisa estudar bastante, levando a sério, construindo uma estratégia para fortalecer potencialidades e amenizar dificuldades.
No entanto, mesmo fazendo tudo isso, e seguindo o melhor plano do mundo, você não tem a garantia de que irá passar. Ora, mas se tudo que pode ser feito é seu melhor dentro de suas circunstâncias, é a isso que você deve se ater. Se você tem claro que tem uma estratégia e que está seguindo os passos desse planejamento, você pode ficar tranquilo com isso. Qualquer preocupação que venha além disso acaba sendo mais um ponto de ansiedade que não ajuda em nada seu desempenho. Ainda assim, é importante saber que mesmo fazendo seu melhor, você pode reprovar. Nesse caso, você pode buscar recursos materiais e emocionais para lidar com a situação, sabendo que sua vida não acabou.
Bom, se você se considera uma pessoa controladora e não está mais tão satisfeito com esse jeito de viver, vale repensar quais são suas ações e rotinas que te “prendem” ao excesso, e aos poucos ir mudando hábitos muito enrijecidos. Ter tempo na agenda para “fazer nada”, ou para o “ócio criativo” é muito importante, além de investir afetivamente nas relações que lhe são importantes. Acompanhamento psicológico e meditação são importantes práticas que podem te ajudar nessa caminhada.
Cristina Gonçalves de Abrantes
Psicóloga CRP 06/135259