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Quando o mesmo problema se repete

Esse texto é para você que percebe que resolve algumas situações da sua vida, mas a mesma “praga” se faz presente de tempos em tempos. É comum chegar ao consultório pessoas que entram recorrentemente em relações abusivas, ou sempre encontram empregos sufocantes, por exemplo. Por mais que a experiência nova pareça diferente, é comum cair na mesma armadilha, e quando se percebe, o padrão está se repetindo novamente.

É claro que existe uma questão circunstancial do trabalho de mercado perverso, ou da heteronormatividade tóxica estrutural na sociedade. Ainda assim, sempre se deparar com o mesmo problema pode indicar que algumas questões internas pessoais não estão atingindo resoluções.

Estamos tratando de situações em que o mesmo padrão se repete de diversas formas, quase sempre acompanhadas de sofrimento ou mal-estar. Resolver essas situações nem parece tão complicado, mas inexplicavelmente elas acabam voltando. É importante ressaltar que isso não acontece sempre em todas as situações, mas se trata de padrões específicos que quase todos nós carregamos em algum âmbito da vida, ou em  algum núcleo de sofrimento. Identificar o sintoma repetitivo é a primeira grande tarefa para poder transformar essa dinâmica.

Utilizando  esses mesmo exemplos, parece possível  resolver as situações dando um fim na relação abusiva, ou se demitindo do emprego explorador, não é mesmo? Ainda que a pessoa se prepare para a resolução do problema, seja desenvolvendo estratégias para lidar com o luto do fim da relação, ou buscando outro vínculo empregatício antes da demissão, pode ser que um problema seja substituído por outro semelhante. Nesse caso, poderia ser uma nova relação abusiva, ou uma outra condição insatisfatória de trabalho.

Questões como essas parecem aprisionantes, na medida em que muitos de nós não compreendem o motivo da repetição, tentando resolver a questão em planos aparentes, sem mergulhar profundamente no que gera o sintoma tão conhecido.

Uma parte da repetição se deve ao próprio sistema nervoso que tende a automatizar hábitos, para poupar energia. Dessa forma é muito fácil desenvolvermos padrões sem ao menos perceber que o estamos instalando. Então, quando vemos já temos um costume, mesmo que não tenha sido intencional. Essa atenção integral em como estamos vivendo nossas vidas é essencial para identificarmos nossos próprios sintomas e mudá-los conforme for possível.

Além disso, sempre há justificativas históricas por nos comportarmos da forma como nos comportamos, nos relacionarmos da forma como nos relacionamos, pensarmos da forma como pensamos e de sentirmos do jeito que sentimos. Muitas vezes essas causas iniciais e funções de repetição são inconscientes. Não estão no plano da consciência por estarem esquecidas, já que a vida psíquica na primeira infância forma dinâmicas que levamos ao longo da vida adulta;  ou por estarem recalcadas, ou seja, reprimidas por nosso ego por ser uma experiência com forte carga emocional.

Conforme identificamos esse padrão, suas causas e funções, podemos começar a trabalhar sobre outras formas de subjetivar aquela vivência. Pensemos nos dois exemplos trazidos nesse texto: uma pessoa que se envolve constantemente em relações abusiva pode ter passado por relações com a mesma qualidade na infância, se identificando com esse modelo e o reproduzindo sem perceber. Ressignificar as relações passadas e desenvolver outras formas de se relacionar são dois trabalhos necessários de serem realizados concomitantemente.

 No exemplo do emprego, é possível que a pessoa veja que ela reproduz valores da classe social e do espectro familiar dela, se assujeitando às condições de trabalho dificultosas, envolvida pela camada ideológica do trabalho como “dignificador”. Ao viver essa premissa como real sem questionar quais são as condições que dignificam o trabalhador, e quais são as condições que levam aos quadros patológicos, é possível que a pessoa só reproduza o modelo de referência de forma alienada.

Essa operação no inconsciente é o que faz o sintoma voltar diversas, até que possamos olhar para ele de frente, acolhê-lo, cuidá-lo e transformá-lo. Por esse motivo, trazer os conteúdos à esfera consciente é importante, mas deve ser um trabalho realizado gradualmente, na medida em que for possível olhar para a questão.

Para identificar e trabalhar sobre questões como essas é importante buscar outras  formas de vivência, e se possível, se relacionar com  pessoas, em lugares e circunstâncias bem diferentes da própria referência. A pluralidade inerente à vivência humana por si, em espaços públicos e coletivos, condiciona a transformação. Já o acompanhamento de como essas transformações estão se dando é recomendado através da terapia, seja grupal ou individual, pois é um processo de reflexão, cuidado e acolhimento.

No próprio processo terapêutico, cada pessoa vai aprendendo sua maneira de lidar com as próprias questões, do jeito que mais “encaixa” com ela, como por exemplo fazer uma espécie de diário com sentimentos, emoções, fatos e pensamentos; ter uma tarefa artística e analisar o que foi expressado lá; anotar sonhos e buscar compreender a linguagem inconsciente; entre outros. E o seu jeito? Qual é? 

Cristina Gonçalves de Abrantes

Psicóloga CRP 06/135259 

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