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Quando perdoar é difícil

Será que é possível perdoar aqueles que nos causaram algum tipo de dano? Será que faz sentido perdoar essa pessoa? Mas o que é perdão afinal? Nesse texto vamos discutir alguns desses tópicos, e refletir sobre como o perdão pode se configurar em sua vida.

A palavra perdão, em seu modo “dicionarizável”  significa desculpa , e também pode ser a remissão de pena, ofensa ou de dívida. Além disso, pode significar o ato pelo qual uma pessoa é desobrigada de cumprir o que era de sua obrigação por permissividade da outra parte. Essa palavra veio  do Latim perdonare, de per-, “total, completo”, mais donare, “dar, entregar, doar”, ou seja, remetia à doação total, a deixar ir.

 

 O conceito de perdão, ao longo da história também se voltou ao perdão religioso. Nesse cenário, o perdão era compreendido como um “processo de purificação espiritual”, que consistia na eliminação de sentimentos nocivos ao ser humano, como a raiva, a mágoa ou o desejo de vingança. Além disso, existia propriamente o perdão a Deus, ou seja, quando a pessoa daquela religião comete um ato que vai contra às normas da instituição, ela pede perdão à Deus, em muitos casos através de orações e penitências.

O fato é que todos esses conceitos, em alguma medida, remetem a uma condição implícita  de dívida. Há uma lógica de que quando alguém causa algum dano (a outra pessoa, à Deus ou religião, ou a ela mesma), ela deve algo para a parte prejudicada. A outra parte pode exigir reparação ou perdoar. Quero convidar o leitor à percepção de que toda essa lógica ainda está sustentada pela sentença “Olho por olho e dente por dente”. O que poderia subverter essa lógica seria o perdão, causando talvez menos cegos ou banguelos na população. Mas percebam que esse perdão pode parecer a priori idealizado, como se alguém bom perdoasse alguém mau.

As consequências dessa lógica podem ser: 

– Reforça-se a ideia de um mundo dividido em dois: os bons e os maus, sem considerar a complexidade humana.

– Reforça-se a ideia de que tudo está dentro da gente, quase como se fosse uma essência ser bom ou ser mau. Assim não percebemos  que as circunstâncias condicionam muitas das nossas escolhas.

– Dessa forma, as escolhas caem em um lugar puramente moralista, e não pensamos sobre os diversos fatores, circunstâncias, questões conscientes, inconscientes e culturais que levam alguém a escolher algo.

Poxa, parece que essa lógica carrega uma série de problemas, não é mesmo? Problemas esses que se voltam para uma superficialização da compreensão das situações e das pessoas.

 Imagine que alguém que tenha essa lógica muito internalizada, possa se sentir muito mal, por exemplo, por não perdoar alguém. O contrário também pode acontecer: por se sentir tão boazinha, ela se sente no direito de pedir a equiparação.  O problema nessa história inteira é que ninguém resolve nada de fato, e tentarei explicar o porquê.

Bom, percebemos que perdoar necessariamente se pauta em uma relação assimétrica. Isso quer dizer que quando dizemos “eu te perdoo”, quase sempre estamos acreditando que o outro nos devia algo, e cabia ao nosso poder perdoar ou não. Esse tipo de perdão parece envolver uma soberba, que envolve poder e dívida. 

Nesse sentido, é importante se fazer a seguinte pergunta: essa dor me dá identidade? Pode ser que você tenha “colado” na situação onerosa, fazendo dela o centro do seu existir. É importante lembrar, no entanto, que o desejo de vingança não repara a ferida. Pode até ser que você tenha aprendido a nomear isso como “sentimento de justiça”, mas avalie cautelosamente se essa justiça irá curar sua dor, ou se simplesmente traz um prazer imediato de se deparar com a dor desse alguém.

Ora, mas não é possível que exista somente esse tipo de perdão, não é mesmo? 

Não, de fato podemos ampliar o sentido dessa palavra, para que ela possa atuar tanto em prol de nossa saúde mental, quanto de uma sociedade realmente melhor.

Perdoar não equivale a esquecer, mas equivale a ressignificar.  De fato, os danos que nos foram causados não podem ser esquecidos, afinal eles fizeram parte da nossa história. Talvez eles não devam ser esquecidos, pois muito provavelmente algum tipo de aprendizagem foi adquirida diante de uma experiência adversa, ainda que tenha sido “com quem não se relacionar”, por exemplo.  Ressignificar trata de dar um novo significado à experiência de dor, ou seja: para além da dor, algo mais pode ser apreendido dessa experiência?

Se abrir a este tipo de questionamento possibilita, talvez, compreender os motivos ou a consciência do outro  para fazer o que fez. Isso não quer dizer que você vai concordar com ele, ou que se abrirá para qualquer outra experiência dolorosa, afinal,  perdoar o outro envolve também conhecer a si mesmo. Isso engloba saber o que te faz bem e o que te faz mal, e colocar limites para que isso não volte a se repetir. Perdoar não  isenta sua dor, não é objetivo do perdão fingir que nada aconteceu, pois a negação não é a resolução. Quando colocamos a poeira debaixo do tapete, ela acaba aparecendo uma hora.

Algumas vezes esse processo também envolve perdoar a si mesmo. Em muitas situações, precisamos nos perdoar  por ter aceitado circunstâncias/pessoas que nos faziam mal. Em outros casos, precisamos nos perdoar pelo fato de nós mesmos termos causado danos a alguém. Em qualquer situação, isso requer compreender e respeitar a nossa consciência, as nossas motivações naquele momento. Devemos lembrar ainda que em nosso tempo presente podemos mudar nossas atitudes de acordo com os valores que desenvolvemos, e isso está em constante transformação.

Vale lembrar que perdoar é um processo. Cavamos muitas camadas dentro de nós até que seja possível liberar essa carga. Em alguns casos buscar ajuda profissional se faz necessário. 

Cristina Gonçalves de Abrantes

Psicóloga CRP 06/135259 

 

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