Você sabia que existe uma diferença entre emoções e sentimentos?
As emoções se relacionam com os nossos instintos e pulsões. Elas são respostas do nosso organismo que costumam nos proteger e garantir nossa sobrevivência. Por exemplo, se ao caminhar você encontrasse um leão, seu organismo muito rapidamente te enviaria transmissões para fugir o mais rápido possível, ou para contra atacar. A adrenalina, nesse caso, foi liberada em seu organismo para que você pudesse sobreviver através da forte sensação de medo. Os processos de fuga ou luta, no entanto, ocorreriam de acordo com as aprendizagens e experiências que você já passou. Se você soubesse subir em árvores, é possível que você usasse dessa estratégia para fugir. Se você soubesse produzir fogo e houvesse esse recurso no cenário, é possível que você usasse dessa estratégia para contra atacar. Assim, as emoções, enquanto descarga imediata, não podem ser mudadas.
Mas esse exemplo nos fez perceber que nossos comportamentos e sentimentos, por mais instintivos que pareçam, quase sempre são uma mistura de “impulsos naturais” com “experiências aprendidas”. Então, nosso corpo até sabe emitir resposta para sobreviver, mas a maior parte dos nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos foram aprendidos, reproduzidos e condicionados ao longo da vida.
Além disso, toda ação ou pensamento são emocionados. Sempre existe uma emoção ou sentimento. Algumas vezes podemos não saber nomear que sentimento é esse, ou não ter consciência do que está acontecendo, mas os sentimentos sempre estão presentes na existência humana.
Isso quer dizer que os sentimentos quase sempre são acionados pela forma como aprendemos a experimentar a maior parte das nossas experiências em vivências anteriores. Uma parte significativa dos sentimentos são construídos na primeira infância (dos 0 aos 7 anos), e funda toda uma teia de conteúdos emocionais e simbólicos que funcionam a partir de nosso inconsciente.
É por isso que “sentir” quase nunca é intencional, afinal, ninguém deseja se sentir triste, ou raivoso. Apesar da gente não desejar se sentir mal, muitas vezes esses sentimentos são reproduções de como aprendemos a nos sentir, e se não trabalharmos para transformá-los, a tendência é que continuem aparecendo de forma semelhante.
Vamos dar um exemplo para isso ficar mais claro: Imagine que uma criança de três anos, toda vez que ia abraçar a sua mãe, recebia uma espécie de afastamento com o corpo, sendo continuamente frustrada com esse “distanciamento corporal”. Para ela, isso representava um distanciamento afetivo, ainda que ela ainda não soubesse nomear dessa forma. Inconscientemente, essa criança cresceu se sentindo rejeitada com muita facilidade. Quando um amiguinho não quis brincar com ela, ela chorou muito e depois mordeu o colega. Isso aconteceu porque aquele sentimento de rejeição que sentia em relação a sua mãe, se atualizou e se reproduziu em outra circunstância.
Esse estranho sentimento de abandono e exclusão acompanhou a pessoa ao longo de boa parte da sua vida, porque aparecia em uma espécie de “piloto automático”. Ela não compreendia o motivo disso, mas essa dinâmica passou a ser crônica, e se converteu em uma depressão, e em reações alérgicas ( neste caso, uma doença psicossomática).
O processo depressivo e o quadro psicossomático provavelmente teriam se constituído ainda por outros aspectos da vida dessa pessoa, formando uma espécie de “emaranhado”.
Nesse exemplo, a pessoa não associa seu quadro de saúde a essa dinâmica psíquica cristalizada, mas ao buscar ajuda ela começa a “ligar os pontos”, e trabalhar para transformar essa forma de viver.
Essa ilustração nos ajudou a compreender que quando nascemos, para além da nossa carga genética, carregamos a possibilidade de nos emocionarmos de acordo com as experiências e aprendizagens que temos nas nossas circunstâncias e relações. Isso quer dizer que não estamos fadados a viver de um único jeito, e podemos mudar a forma como experimentamos o mundo.
Nesse mesmo exemplo, nossa personagem investiu em algumas práticas que a ajudaram a questionar esse sentimento, e transformá-lo em seu tempo, ou seja, não foi do dia para a noite. Ela se esforçou para transformar, mas não forçou, afinal, essas transformações são profundas e processuais. Elas requerem paciência consigo mesmo e carinho com o própria caminhada.
Seguem aqui algumas dicas de como buscar transformar esses sentimentos cristalizados, tendo as últimas observações em vista:
- Dialogue com o sentimento negativo: Não expulse o sentimento, e nem o ignore. Esses comportamentos servem apenas como paliativos, que dão espaço para o sentimento voltar com tudo depois de um tempo. Dialogar com o sentimento é abrir espaço para conversar com ele. Pergunte: De onde você vem? O que vem fazer aqui? O que você deseja? Escute o que esse sentimento tem para te dizer, ele sempre aparece por algum motivo e quer te explicar, mas para isso é preciso escutá-lo.
- Tenha uma rede de apoio: É sempre importante ter pessoas de confiança para contar. Reserve tempo com amigos ou familiares, e se permita abrir o coração (é importante que essa pessoa seja de sua confiança e te acolha sem te julgar). Se você sentir que precisa de uma certa reclusão, avise as pessoas próximas que você precisa de um espaço, e está em processo de mudança. As pessoas não têm obrigação de adivinhar o que está acontecendo dentro de você.
- Registre seus sentimentos – Um diário pode ajudar. Escrever o que você sentiu no dia pode ajudar a registrar o seu processo e se aprofundar no que você sente, compreendendo sua dinâmica, e se organizando para mudança. Ao ir constatando os estímulos que acionam certo sentimento, você passa a se preparar para vivê-los de um jeito diferente, pois agora está consciente e atento. Se você não gostar muito de escrever, porque não gravar áudios, ou se expressar artisticamente?
- Procure por psicoterapia – Um profissional preparado pode te ajudar a compreender o que está acontecendo contigo, e te orientar em seu processo, visando sua saúde emocional. Contar com apoio especializado é imprescindível nesta trajetória de cuidado.
Cristina Gonçalves de Abrantes
Psicóloga CRP 06/135259